Capítulo
1- História inicial (não é a pré-história)- Ai!!
Era uma
vez um mundo do não saber e das dores. Sentia dor no estômago sem saber o que
era estômago, sem saber o que era fome. Sem saber que meu corpo era meu, sem
saber que eu tinha um eu. Pois meu corpo, não era meu. Mas as dores, sim. Essas
eram minhas, somente minhas, reais, e se faziam presentes. Nem sabia o que era
dor, tampouco o que era eu, meu e outro.
Então,
uma fada me acolheu, me olhou, me deu alimento, trocou minha fralda e falou
comigo. Disse que eu chorava e me sentia mal porque eu precisava de alimento e
precisava trocar a fralda e que parecia desesperada e nervosa. Logo, ela, que
deslocava sua energia em mim, além de trocar minha fralda e falar comigo, me
alimentou.
Enquanto eu era alimentada, ouvia sua voz que percorria um caminho que desembocava em meu corpo. O som era como um lençol de pétalas
de rosas macias que me cobria na noite. Seus braços eram como uma rede que se
adaptava ao corpo. Seu cheiro de leite era como se eu estivesse em um deserto
andando durante dias sem água e encontrasse uma cachoeira límpida e
refrescante.
De
repente, minhas dores se foram! Vivi uma espécie de êxtase! Queria novamente
isso.
As
dores se foram por um tempo, apesar de retornarem. Quando elas voltavam, eu ficava
lembrando aquele momento mítico no qual a fada me acolheu. Eu alucinava e às
vezes até funcionava. Mas não era sempre que dava certo. Quando a fome e o
desespero apitavam, eu dependia da fada sem saber. Eu achava que ela podia me
dar novamente aquele momento de satisfação plena.
Ela
que deu conta do meu circuito prazer/desprazer e causou e marcou algo em mim,
em meu corpo. Meu corpo queria ficar repetindo essa experiência de satisfação.
Neste momento, parece que comecei a perceber que talvez eu tivesse um corpo.
Dependente do outro, é claro.
(Foi graças à essa fada que eu tive a
possibilidade de um dia saber que tenho um corpo e que esse corpo não é somente
biológico. Ele tem necessidades extras).
Capítulo
2- Início do meio da história- eu acredito em fadas!
No
momento em que ela me alimentou, vivenciei um prazer inexplicável. Era como se
só existisse prazer e satisfação na vida. Não era somente fome que eu tinha,
mas sim, uma ânsia de repetir por milhares de vezes este estado mítico.
(Princípio de prazer)
Em
alguns momentos me perguntei se aquilo era real, tanto se as dores eram reais
como aquele momento de gozo. Mas entrei em um circuito de buscas e mais buscas
infindáveis para reencontrar aquilo que experimentei e que perdi. Sim, perdi,
pois aquela satisfação plena que vivi desapareceu. A culpa é do princípio de
prazer! Ele é que manda neste momento da história!
(Repetição, gozo e princípio de realidade)
Capítulo
3- Meio da hystoire- Início do fim- a castatação (mistura de castração com
constatação): um pouco de gozo pelo amor de Deus!
Então,
o fim desta história, que neste ponto virou hystoire, é contada por cada um, um
a um. Cada um com sua saída em relação a perda deste momento mítico. O fato é
que nunca mais encontrei esta satisfação. Encontrei outra bem mais singela. (Mas,
eu ainda consigo me iludir e isso pode ser necessário muitas vezes).
Então,
para dar conta desta falta, tive que fazer algo! Mesmo sabendo no meio do
caminho que algo estava perdido para sempre.
Na
realidade, esse algo, não estava perdido, pois nunca tinha sido possuído. Essa
foi a castatação maligna! Essa doeu! Doeu mais que aquela dor de estômago.
Então,
me dei conta de que minha busca em torno disto, desse algo jamais possuído,
dizia respeito a uma Coisa. Uma Coisa que contém um vazio, uma falta estrutural
a todo ser humano, no qual o princípio de prazer tentava e tenta comandar. Ele
ordena: busque, repita, goze com isso, não pare!
(Das ding – a Coisa)
A
busca se tornou infindável justamente pelo fato de que a minha vivência de
satisfação comporta algo irrepresentável, que exige um contorno. (Se não
contornar, provavelmente enlouquecerei). Preciso bordear, dar forma a Isso.
De
alguma maneira, muitas vezes, sem que eu saiba ou mesmo sabendo, estou tentando
dar conta deste furo que é comum a todos. Mas como? Se não há representação
para esta experiência mítica, o que posso fazer? Se o que há é um buraco opaco,
pura falta, vazio... O que pede? O que causa?
A
pedida é algo criativo, sublime, inventivo!
Hoje,
sei que foi uma ilusão, mais ainda, que foi inscrito na minha alma uma perda,
uma falta, um vazio de algo que eu não tive, mas que me marcou para a
eternidade enquanto exista minha vida. (Esse fato foi condição para poder
inventar).
Com
Isso, o que posso fazer é criar o que me falta. Criar um objeto que substitua
aquele supostamente perdido. Posso dançar e dar forma ao vazio. Assim, me
relaciono com ele. Não o excluo tampouco nego que ele exista. Pelo contrário, afirmo
que a dança se relaciona diretamente com ele (vazio) na medida em que faz
borda, lhe da forma e movimento, e provoca uma produção.
Para
contornar o vazio, pode-se também escrever poesia, cantar, atuar, rezar, fazer
ciência, fazer análise.
Capítulo
4- O saber sabido -A sublimação é um saber sobre a falta de um objeto
absoluto!- Ui!- não creio mais nela (a fada)!
A
criação- Dança Mixx
A
sublimação- pode funcionar como a possibilidade de uma construção de um objeto
que demonstre, destaque e revele a opacidade desta Coisa, desta falta, deste
vazio irrepresentável e estrutural.
“Sublimar
é mesmo a capacidade pulsional de encontrar a condição de satisfazer a pulsão
de maneira ontológica, isto é, a partir da capacidade de criação do objeto, uma
vez que o processo sublimatório é de fato um saber sobre a falta do objeto
desejado, sobre o qual, nada mais resta a fazer, além de criá-lo."