O eu é corporal! Freud já dizia...
A psicanálise lacaniana se interessa pela divisão do
sujeito. Não um sujeito dividido entre corpo e mente, entre psíquico e
somático. A divisão que interessa é a divisão do sujeito que não sabe o que
diz. A partir do momento do nascimento do sujeito, ou seja, quando ele deixa
sua posição infan e passa para um lugar falante, nasce também sua divisão.
Ele é dividido pelo significante. Este marca seu corpo e seu
lugar no mundo. Ele fala. Como habitará a linguagem se dará a posteriori. O que
interessa é a passagem de um ser que ainda não fala para um sujeito faltante,
falante.
O que importa nesta possibilidade é o espelho, o eu, o
corpo, o outro e o Outro. Que necessita para falar? Para faltar? Porque o bebê
não nasce falando, andando, pensando? Um corpo infan é um corpo concreto,
ausente de representação, sem marcas, sem palavras. Um corpo desamparado pela
insuficiência orgânica. Imaturo neurologicamente.
A questão que coloco é a seguinte: Que acontece que alguns
infans não se jubilam diante de sua imagem quando o tempo cronológico já lhes
permitiríam se reconhecer? É a falta do outro? Do Outro? É o corpo biológico
que veio com “defeito”? É a relação com o outro?
Tampouco se trata de responder com sim ou com não. Talvez
trata-se de refletir que o sujeito aprisionado em seu corpo, em seus
significantes, regido pelo seu inconsciente, pode fazer algumas pequenas
escolhas. Pode recusar o contato com o outro. Isso é uma forma de contato!
Onde está a dinâmica libidinal de um bebê que não se
entretém com sua imagem? Sua carência é de libido! Quem pode dar o que ele não
tem? Quem pode dar libido? É possível uma prótese libidinal?
O filme em 3D de Pina Bausch nos revela o que um outro pode
dar e assim constituir um sujeito dançante!
Seu trabalho estonteante e magnífico nos ilumina! Esta
mulher, dava, oferecia, ofertava palavras aos bailarinos. Estas marcavam seus
passos, corpos, movimentos, suas vidas. Os corpos dos bailarinos pulsavam,
transbordavam de energia sexual, ou seja, de dinamismo libidinal!
A transferência com Pina e sua oferta de palavras justas no
momento certo, o corpo erotizado por essas palavras, tudo isso, contribuía para
a explosão de talento de seu trabalho. Uma das bailarinas dizia: “Trabalhar com
Pina era muito bom pois podíamos expressar todos os nossos sentimentos”; Outra
dizia:
“Não entendia porque ela nunca parava de trabalhar”; Outro
apontava: “Ela nos perguntava sobre nossos desejos”.
Pina marcava os bailarinos e bailarinas com a força de sua
presença que se faz mesmo após sua morte.
Inspirada no texto do
estádio do espelho de Lacan, causada por Pina Bausch escrevo este texto
refletindo sobre a importância da inscrição da palavra no corpo. A constituição
psíquica, a constituição do corpo envolve o amor, o que se pode dar ao outro.
Podemos dar palavras justas ou não. Podemos desestabilizar o outro ou não.
Os bailarinos diziam que Pina desvendava suas almas com seu
olhar atento e particularizado para cada um. Isso é função materna! O mundo
está tão carente disso!